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Julho

  • aalvim
  • 1 de jul.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 2 de jul.

As peras, no prato,

apodrecem.

O relógio, sobre elas,

mede a sua morte?

Paremos o pêndulo.

Deteríamos, assim, a

morte das frutas?

(Ferreira Gullar)


O tempo é uma invenção. Sabemos disso, mas não queremos saber, e achamos chato quem fica lembrando o tempo todo que o tempo não existe. “Como não existe? E essas marcas no rosto, nas mãos, nos braços, que eu carrego comigo, são quê?” 


Não é o tempo, mas o oxigênio que oxida tudo. Não é o tempo, mas a gravidade, inflexível, a atrair tudo para próximo dos corpos com maior massa, alegria e desgraça de vivermos no planeta Terra. Não é o tempo, mas o desgaste pelo uso repetido das peças do nosso corpo, máquina incrível mas muito maltratada por nossa ignorância ou preguiça de ler o interminável manual de orientações sobre o uso correto dos pulmões, coração, estômago, rins, fígado, pele, cérebro. Não é o tempo, é a existência dos outros, que ficam aí se expondo para que comparemos, para que nos meçamos por suas réguas, por suas peles brilhantes e corpos esguios, por sua agilidade e desenvoltura. Não é o tempo. Mas é.


Chamamos de tempo a essas marcas de mudanças. Cada volta da Terra em torno de si mesma, em torno do Sol. Chamamos de tempo para não precisar chamar rotação ou translação, porque o tempo não é só um tempo medido, é também um tempo sentido, algo que nos afeta. Como já disse o filósofo Henry Bergson, a duração é uma experiência interna da consciência, inseparável do sujeito que a vive, e não algo externo e objetivo como o tempo da física. A medição é precisa, mas o sentimento não é preciso. O tempo voa, dizemos. O tempo não passa nunca. O tempo é cruel. O tempo é fugaz. Esse tempo - o tempo da nossa permanência no mundo - esse existe, e é o nosso companheiro mais genioso e inconstante. Por isso precisamos amarrá-lo a certos pontos fixos, para que não nos escape de vez. Por que, no fundo, precisamos dele, ou pelo menos precisamos desse uso que fazemos dele, como o traçado de uma seta em uma folha de papel, apontando para um lado. Quanto maior o tracejado, mais claro para nós que o alvo da seta está próximo. E o alvo alcançado é o fim do jogo. 


O mês de julho é um desses pontos que nos remete a um cálculo do tempo do jogo que resta. Julho é o meio. Diferente de janeiro, sempre alegre e promissor, e de dezembro, mais reflexivo e aliviado, julho é o mês do susto, quando percebemos que já foi metade do ano e ainda não cumprimos quase nada de nossas promessas de janeiro, e agora, logo, logo, chegará dezembro e então mais um ano, quando se renova a pergunta angustiante: até quando estarei nesse jogo?


Nas escolas, julho é o mês das pequenas férias, uma espécie de repositório das energias na preparação dos estudantes para a realização dos planos da vida ou, como diziam os Beatles, aquilo que passa velozmente enquanto estamos fazendo os tais planos. Pois é curioso o quanto preparamo-nos para a vida enquanto a vida ocorre, pois o tempo não para. Pior é quando, já adultos e afundados nos afazeres do trabalho e na criação dos filhos, sonhamos com o momento em que poderemos finalmente parar e aproveitar o tempo. Apostamos que haverá esse tempo. Aposta perigosa, pois o tempo é esquivo, fugidio e se ausenta quando mais precisamos dele. Mesmo que não nos importemos quando ele é abundante, pois estamos preocupados em estarmos prontos para aproveitá-lo intensamente quando houver tempo para isso. Paradoxo.


Nessa invenção que é o tempo, esse tempo que nos atravessa, soprando baixinho em nossos ouvidos: “estou aqui”, esquivamo-nos e ocupamo-nos febrilmente para olvida-lo ou adia-lo para um momento mais propício. Mas o momento também é o tempo, é uma das formas pelas quais ele se traveste, como o “só um segundo, por favor”; o “qualquer hora dessas a gente se vê”; o “pra semana passo aí, sem falta”; o “nossa, faz mesmo tantos anos assim desde o nosso último encontro?" Tudo é tempo. E não é.


Até que o tempo, cansado de esperar, vira-nos as costas. Fecha-se em copas. Some no horizonte, esvanece-se. E os que ficam dizem de si para si: “lembram daquele tempo?” “Ah, aqueles tempos é que eram bons”. 


E o tempo, que vê tudo, porque está em todos os lugares, ri um riso meio pesaroso: “ah, se não tivessem desperdiçado aquele mês de julho, preocupados com o que foi e com o que estava por vir…


Daniel Medeiros

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